Os meninos da Tailândia e a dor que somos
Há momentos que nos libertam do estado de mediocridade, do fútil em que nos atafulhamos. Um olhar de enorme coletivo para a Tailândia, à espera que um punhado de garotos sobrevivesse à traição que a sua própria aventura lhes reservou, é um desses momentos. Um grande punhado do mundo a olhar para mesmo sítio, para o mesmo registo noticioso e a partilhar a mesma angústia.
A monstruosidade que é a nossa incapacidade de ajuda somada com uma outra, a da impossibilidade de adivinhar o futuro, remeteu-nos à condição humana. Por momentos, fomos seres primitivos na nossa gruta alagada, com o medo do dia de amanhã, do sol que não voltaria, da intempérie que nos arrastaria para a morte (neste caso alheia, obviamente). Como na alegoria da caverna do filósofo Platão, a grande dúvida de nos podermos libertar da condição de escuridão que nos aprisiona através da luz da verdade, podia ter ajudado cada um de nós a melhorar o que nos falta de conhecimento, linguagem e educação na formação do ser ideal (Platão ambicionava mais, ambicionava mesmo o Estado ideal, utopia inalcançável, já que o Estado depende dos homens que o fazem). Pelo contrário, em vez de melhorarmos, vi como alguns piorava ou simplesmente se revelavam; li e ouvi opiniões capazes de assinar a total bestealidade dos seus emissores; ouvi alguns que diziam que era bem mais importante investir no fim da fome no mundo que ameaça milhões de crianças do que mobilizar tantos recursos por causa de apenas meia dúzia de meninos! A estupidez revela-se intensamente em certas horas, ignorando que há momentos capazes de nos libertar do nosso estúpido estado de mediocridade talvez congénito, talvez hereditário, talvez outra coisa qualquer que envergonha.
Fiquei pessoalmente perturbado com a experiência dos miúdos tailandeses. Eu, que tenho uma relação ambígua com a água e momentos de hidrofobia – cheguei a ter um episódio de pânico transcendente, ao ler um livro! , A Praia, de Alex Garland, quando o protagonista fica preso numa bolha de ar sem saber para onde ir, ali, sozinho e perdido, debaixo de água. E eu com ele, a chegar ao pânico de quem sufoca por sugestão e sensibilidade. Esse protagonista procurava na travessia que o encurralou, talvez como os miúdos da Tailândia, talvez como eu que tanto leio, chegar apenas a um Paraíso qualquer que (n)o(s) apaziguasse.
Ao sabor do que penso, empurrado pelos ventos, creio que sou um português com uma relação ambígua com o oceano Atlântico esse que teve tanto determinismo em momentos da nossa história. (Lembro-me de repente. Um poeta escreveu: afoga-te neste teu formoso mar, liberta o mundo).
Não me interpretem mal. Gosto do mar, procuro-o sempre, como gosto de barcos, de idas e partidas, de aventuras variadas e até de mergulhos em grutas e oásis submersos – todavia tenho um respeito medroso pela sua dimensão.
Pensei nisto ao seguir as operações de salvamento da Tailândia. Que podia ser no meu país de mar e mareantes. Que podia ser com as crianças que não merecem o abandono. Que podia ser em sítios de mediocridade onde o ser humano não é, porque não quer.
Alexandre Honrado
Historiador